quarta-feira, 27 de maio de 2020

Quarta de quarentena



Olhar para o teto a acalmava. O ventilador, desligado em meio à uma época fria, a encarava de volta. A música ecoando pelo quarto era Billy Joel. A melancolia na voz de Billy era quase reconfortante, a fazia sentir-se compreendida.

A solidão e o tédio juntaram-se para atormentá-la, e de repente, a mente, antes preenchida com a suave melodia da música, deu lugar à ansiedade. O trabalho, suas inseguranças, seus medos reais e os inventados apareceram, todos de uma vez, como que para uma grande convenção.

Talvez ler a acalmasse, mas King não poderia distraí-la de si mesma naquele momento. Era um daqueles dias onde talvez nada fosse mais real do que aquela solidão latente.

A pior parte era a dificuldade em ter perspectivas. Em uma época dominada pelo medo da pandemia, pensar no futuro sempre a fazia visualizar um grande ponto de interrogação. Em situações normais, teria se distraído enquanto encostava-se na janela do ônibus e perdia seu olhar nas luzes da cidade, iria ao cinema para esquecer das responsabilidades que aguardavam por ela de braços abertos na manhã seguinte ou só esqueceria de tudo por algumas horas com a chegada do cansaço que a arrastava para cama antes das 22h todas as noites.

Mas aquelas não eram circunstâncias normais. Seu cérebro ainda focava no trabalho, seu quarto, antes tão almejado, agora parecia sufocá-la. Mas quem poderia explicar o que sentia e as razões que a levavam a se sentir daquele jeito se nem ela poderia? 

Desejou mais uma vez estar mergulhada nos romances de seus autores preferidos, como estava há algumas semanas. Ser transportada para um mundo inventado era a parte mais interessante de seu dia. Ainda mais quando ela era a responsável por tal ato. Quando suas próprias histórias preenchiam páginas e mais páginas em seu disco rígido, e os personagens dançavam e atuavam conforme a sua direção.

Sentiu falta de ser mais do que costumava ser. De sonhar mais, de ser mais livre. Mas hoje era diferente. Sentia-se cansada, desconectada e só. 

Solitude lhe atraía, mas solidão a assustava. Solidão a fazia pensar em tudo aquilo que poderia tê-la levado àquele ponto, e a atribuir a culpa a si mesma. Como se responsabilizar-se diminuísse a verdade que cerca cada um de nós: nascemos sós, morremos sós. 

Havia mais vida por trás dos maus pensamentos e das tramas desconexas que lhe passavam pela cabeça. Daqui há uns dias não lembraria da noite de hoje. Seria tão insignificante quanto qualquer outra noite guardada nas profundezas de seu subconsciente. Mas respirando fundo, ela deixou o turbilhão das emoções a invadirem.

Billy havia parado de cantar, e ela chorou mesmo sem a trilha sonora de fundo, mesmo sem saber o porquê, e o choro liberou a calmaria. 

Ainda não tinha todas as respostas, e Deus sabe que talvez ela nunca tivesse. Mas finalmente pôde respirar aliviada, como se lembrasse de que tudo bem sentir-se fora de controle e sozinha às vezes. 

Não era o fim do mundo, era só o fim de mais um dia.