Ela o observava atentamente enquanto acariciava seu cabelo. Deitado com a cabeça em suas pernas, ele dormia num sono suave. Charlotte sentiu-se ligeiramente boba pelos pensamentos que rodeavam sua cabeça. Há um mês, jamais permitiria tais pensamentos apaixonados. Sempre achou um exagero a descrição de sentimentos que os casais demonstravam, principalmente a quantidade ‘extrema’ de amor nos livros. Talvez por isso tenha se recusado a ler um romance desde os 13 anos.
Aliás, a última vez que permitira se apaixonar havia sido por um ator canadense de um drama pós-guerra que assistiu num festival de filmes antigos. O sujeito devia ter uns 95 anos hoje, mas em 1969 era um baita de um galã.
Mas porque ela se esquivava tanto do amor? Na verdade, odiava a ideia de ficar com alguém por conveniência, sem sentir nada demais. Apesar de não ser fã dos livros românticos, sempre teve curiosidade em saber como era sentir-se daquela maneira, como se houvesse encontrado no amor alguém pelo qual valia à pena dedicar sua vida. Mas era muito ligada à realidade. Depois de uma pesquisa feita por si mesma, concluiu que as chances de se encontrar alguém que tivesse o poder de despertar tamanha alegria descrita nos livros, nos roteiros de cinema e nos comerciais de TV eram de 1 em 1 milhão. Talvez no meio do caminho as pessoas pensassem ter encontrado esta raridade, mas a verdade é que um tempo depois percebiam ter se enganado. Aquilo não era amor. Essa era a conveniência que a incomodava.
Mas naquele momento, enquanto todos os pensamentos bobos passavam por sua cabeça, viu sua teoria de anos desaparecer. Suas chances eram apenas de uma em um milhão, mas lá estava ela diante do amor de sua vida. Só podia ser sonho. A realidade não seria tão gentil com ela, seria?
Ora, pois ele poderia muito bem estar sonhando com outra. Talvez tirasse a aliança sempre que entrasse no carro para trabalhar, sorrisse para uma garota bonita e mais nova. Deve ter desejado nunca mais vê-la quando discutiam, ou pensasse em como seria sua vida se ainda fosse solteiro.
Ficou insegura. Ele podia ser o amor de sua vida, com toda certeza, mas seria ela o amor da vida dele? Ele daria sua vida por ela do modo como ela ofereceu a dela?
Charlotte mordeu o lábio, pensativa e apreensiva. Desejou que aquele momento fosse eterno. Ela estava diante do maior terror, mas ao mesmo tempo da maior maravilha de sua vida. Poderia perdê-lo a qualquer momento, seu amor podia não ser o suficiente. Era isso, ela havia se tornado dependente de uma baboseira romântica. Seus sentimentos haviam tornado-se maiores do que sua razão. Havia cometido o erro de tornar-se um dos personagens que tanto ridicularizava.
Enquanto pensava em todas as possibilidades de fracasso de seu casamento, Charlotte foi surpreendida pelo sorriso de seu marido, que a olhava maravilhado. Foi quando soube: o amor de sua vida fazia dela a mulher de sua vida.