sábado, 31 de agosto de 2013

Dan Brown e nossa vã filosofia...


 Não sou uma pessoa que se apega à autores. Amo livros e as histórias por trás deles. Só que Dan Brown tornou-se uma exceção. E saber que não passo de mais uma entre os milhões que se deixaram influenciar por suas teorias não é tão incômodo assim.
 Suas tramas nos fazem ir mais além e imaginar o mundo como um grande teatro onde as cortinas poderão se fechar a qualquer momento. Nosso anseio como expectadores catastrofistas é que as máscaras caiam e finalmente possamos enxergar alguma verdade nisso tudo. E é essa perspectiva que mantém a dose básica de aventura que necessitamos pra viver. Precisamos de um sentido, sendo assim, por que não criar mais e mais teorias e imaginar vários significados por trás delas?
 Na primeira vez que ousei ler Shakespeare, sua célebre frase: "Há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia" mexeu comigo. Tá, eu tinha 14 anos e nenhuma noção do que era a vida, mas estava começando a descobri-la. Esta frase despertou a curiosidade que mantenho até hoje como parte intrínseca de mim.
 O que me deixa razoavelmente irritada é o fato de nomearem tudo aquilo que foge de um padrão imposto como "teoria da conspiração", como se não passasse de um bando de baboseiras. Certo, existem um montão de baboseiras por aí cuja nomenclatura é realmente digna de 'teorias conspiratórias' - a teoria das canetas BIC que o diga! - mas nem tudo que foge do normal é de fato absurdo. Só não estamos acostumados.
 Então, Dan Brown fez com que eu me apaixonasse pelo gênero. Prova disso é que estou tentando escrever o romance mais difícil que já ousei tentar. Abri mão de falar em primeira pessoa e abordei temas que fogem do fator 'romântico' que eu tanto escrevo.
 É complicado. Desisti dele dezenas de vezes e o bloqueio criativo têm sido meu pior inimigo. Mas por alguma razão, eu continuo voltando à ele, como se ainda houvesse muito a ser dito e as palavras certas acabariam surgindo alguma hora.
 No último mês, acabei reclamando muito de que não estava me sentindo desafiada o bastante. Pelo que vejo, este é um dos desafios que eu tanto almejava.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Crônica


 Nós passamos da nossa estação. Eu estava louca pra soltar um "Eu te avisei", mas ele o fez primeiro numa tentativa péssima de me imitar. Sabia muito bem que minha voz não soava assim tão fina e que eu não fazia caras e bocas como havia interpretado. Mesmo assim eu ri.
 Agora, tínhamos duas escolhas: descer na próxima e caminhar até nossos destinos - separados por algumas ruas - ou permanecer ali naquele vagão, vendo as estações passarem, esquecendo dos compromissos que nos aguardavam. Seria isso? Comentei que não seria uma boa ideia ter que aguentá-lo por mais estações, especialmente sem destino como estávamos. Ele riu na minha cara e disse algo sobre eu odiar vê-lo partir...Era melhor eu aproveitar.
 "Quem você pensa que é?" - pensei, ultrajada.
 Mas a pergunta foi mais pra mim do que pra ele. Quem ele era para mim, afinal?
 Tivemos lá nossas diferenças no começo. Era uma relação estranha, cheia de altos e baixos, momentos de crises cinestésicas seguidos por uma tremenda falta de lucidez e, no final, desabafos sobre como nossas vidas amorosas eram terríveis do ponto de vista ideal.
 Eu o conhecia bem. Bem até demais, suponho. Estávamos naquele nível em que a intimidade é tanta que pequenas gafes nem nos incomodavam mais.
 Agora estávamos naquele vagão, que esvaziava muito rápido, nos deixando a sós num jogo de "quem desvia o olhar primeiro". E eu quase ganhei, se não fosse aquele maldito pensamento... Traída por meus desejos secretos, me vi sendo obrigada a desviar o olhar. Aquilo era demais até pra mim.
 Ele sorriu como se a mesma coisa houvesse lhe passado pela cabeça, e eu murmurei um xingamento enquanto tentava conter um sorriso, inutilmente. Só que sua crise cinestésica parecia ter voltado mais uma vez, como naquela noite em que eu estava muito bêbada e precisando desabafar com alguém a raiva que eu estava tentando afogar com cerveja nas últimas horas. Sua mão agora tocava o meu queixo e me obrigava a levantar os olhos para encará-lo - e eu desejei estar bêbada de novo. Não estava habituada a deixá-lo me ver em um estado vulnerável, cheia de inseguranças com relação à...Bem, nós.
 E naquele momento, cara, eu juro... Juro que foi como se ele pudesse ver a minha alma através dos meus olhos. E foi o fim: a minha farsa havia sido desmascarada. Ele descobriu que aqui havia um coração e me beijou, como se já soubesse que ele estava ali, apenas esperando que alguém o notasse.


sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Restos da história



 Já dizia alguma pessoa bem resolvida por aí que ninguém morre de decepção - ao menos eu nunca fiquei sabendo de nenhum caso do tipo. Só acredito porque até agora não morri. Não é querendo dramatizar à moda de "Malhação", não! Mas tenho uma coleção de decepções bem grandinha, até. E imagino que você, leitor, também deva ter a sua. A única diferença é que variamos bastante o lugar aonde deixamos esta lista.
 Eu gosto de deixá-la na parte do bom humor. É lá que se encontra a minha válvula de escape. É lá onde tranco minhas frustrações depois de transformá-las em chacota. Porque é bem mais fácil rir das minhas gafes e decepções passadas do que ficar remoendo-as.
 Isso mesmo. Eu as tranco! Dificilmente deixo escapar lembranças. Elas me fazem sofrer inutilmente. Para que virem piada, preciso me concentrar nas partes frustrantes e nos momentos constrangedores. Me recuso a lembrar das coisas boas. Ela não me trazem alegria, só saudade e ás vezes possíveis hipóteses a respeito de como teriam sido as coisas caso eu tivesse agido diferente em determinadas situações.
 Só que hoje eu me permiti lembrar. E eu lembrei de cada sorriso arrancado, cada piada engraçadinha e cada arrepio que sentia com o toque dele. E, bem, foi um pouco idiota porque decidi fazer isso enquanto ouvia "Breakeven"* - o que talvez me torne uma imitação não tão ruim dos personagens de "Malhação".
 Sentir toda aquela enxurrada de decepções vindo sob mim foi meio devastador. Eu nem sabia que guardava tanta coisa no meu disco rígido. Meus olhos arderam, eu segurei um chorinho, mas deixei que toda e qualquer possível dor vazasse, só pra que fossem embora de vez.
 E enquanto isso, Danny O'Donoghue insistia em seu versinho: "What am I supposed to say when I'm all choked up and you're okay?" (O que devo dizer enquanto estou engasgado e você está bem?). A pior parte é que eu entendia todos aqueles malditos versos - porque devo ter ouvido a canção umas 500 vezes.  O que eu começava a lutar para entender, mais uma vez, era a razão de todo aquele drama. E foi inevitável não pensar que as pessoas têm esse péssimo hábito de descartarem umas às outras sem motivos exatos, e que isto já estava se tornando natural. A individualidade nunca teve tanta força.
 Quando a música acabou e eu voltei ao meu estado normal, a maior parte da dor, da indignação e da confusão haviam vazado. Com certeza ainda restam vestígios em algum lugar por aqui, fazer o quê?
 Vai virar piadinha de boteco, lembrança pra contar pras filhas, tema de texto pra postar no blog. Porque nada e ninguém é, de fato, descartável. E é por isso que esta nossa história continua com seus restos aqui dentro: Pra que me sirva de impulso para buscar outras.



* "Breakeven" - The Script

domingo, 11 de agosto de 2013

A maldição dos seis meses



 Eu deveria tentar parar de escrever sobre relacionamentos. Só que não consigo me desvincular de um assunto tão interessante e flexível que é este que trata das relações humanas. Isso deve começar depois do primeiro beijo. Bem, ao menos segundos meus registros - tenho este blog desde os quinze anos. Já escrevi muita baboseira romântica.
 Conforme meus relacionamentos foram ficando mais intensos e, consequentemente, mais bizarros - é provado que a vida está de sacanagem comigo! - fui desenvolvendo cada vez mais repulsa por certos tipos de homens. O lado bom é que todo lado ruim destes meus casinhos são uma fonte inalterada de inspiração. Então, obrigada, cretinos!
 Mas voltando ao assunto dos relacionamentos, desenvolvi mesmo esse vício em escrever bastante sobre eles. O que não significa que eu entenda muito sobre o assunto. Estas palavras não passam de resultados de experiências, conversas de bar e idealizações idiotinhas sobre o amor verdadeiro.
 E por quê estou falando disto? É que ultimamente tenho pensado muito em uma das loucas teorias que rondam minha mente de tempos em tempos. A mais recente parece uma maldição, parece tanto que a denominei de "A maldição dos seis meses", que, na verdade, nada mais é do que uma síndrome bizarra que se abate sobre pessoas super legais que merecem tudo de bom mas que estão sendo constantemente sacaneadas pela vida - lê-se "eu".
 A teoria consiste no seguinte: eu me relaciono - de forma romântica ou não - com um cara, que na maioria das vezes adora deixar claro sua repulsa por relacionamentos sérios. Estes caras realmente se dedicam a esfregar na minha cara que a instituição do namoro está falida - assim como a do casamento - e de que é muito mais sensato e "moderninho" curtir o momento como se o mundo fosse acabar amanhã. Óbvio que eles não colocam a situação desta maneira tão criativa, mas é o que costumo entender pelas entrelinhas.
 No decorrer disso que parece um tipo de relacionamento mas que, honestamente, nem sei mais como denominar, ocorre um outro tipo de síndrome que Natália Klein já havia diagnosticado - de forma genial - em 98,8% da população masculina do mundo: a Síndrome do Mestre dos Magos (SMM). O sintoma mais característico é o déficit do coeficiente de presença que, em seu estágio mais avançado, pode chegar à invisibilidade total.
 Passada esta fase, o fim está claro, e você nem precisa se preocupar em receber uma explicação, porque ela não virá - a menos que você resolva cobrá-la, o que não recomendo. Essa ideia de "revolução sexual" que é seguida da cobrança - você corre atrás, e ele não - é só uma desculpa para homens preguiçosos se sentirem justificados por sua falta de consideração, enquanto algumas mulheres acreditam estar se sentindo no controle da situação.
 Só que seis meses depois - é o que dizem as minhas estatísticas - fulano aparece em "um relacionamento sério com Ciclana" - eu sei, que nome terrível.
 Eu posso até parecer paranoica por isso, mas o que no começo não passou de uma brincadeira entre as amigas acabou se tornando verdade! Um dia desses beijei um amigo e, na manhã seguinte, dei um tapinha em seu ombro e lhe alertei: "Não se preocupe. Não demos certo, mas daqui a seis meses você encontra o amor da sua vida". Levou duas semanas pra ele encontrar a garota dos sonhos, o que me faz acreditar que a "Maldição dos seis meses" pode ser bem flexível e depende de fatores como, sei lá, meu nível de interesse por alguém.
 Tenho esperança de que a cura pra isso é justamente o que a torna uma maldição: o tempo. Em outras palavras, eu espero que essa má sorte se esvaia algum dia, e que isso não seja alguma espécie de vodu abandonado em algum lugar inacessível, sem chances de destruição.
 De resto, só desejo à esses cretinos um belo par de chifres! Pois é, também estou me sentindo no direito de ser um pouco imatura por alguns momentos.


sábado, 10 de agosto de 2013

Lógica peculiar


 Meus queridos. Eis mais uma noite de sábado em que me encontro parada em frente ao meu computador. Pode parecer enrolação pra esconder um provável sentimento de tédio, mas eu realmente adoro estes momentos de reflexão, cujas palavras surgem tão naturalmente que é como se eu flutuasse - ok, exagerei.
 Sério, eu não estou entediada. Um dia desses li uma matéria que dizia que o segredo da felicidade é manter-se sempre ocupado. Foi daí que eu decidi aderir isso à minha pequena lista de filosofias de vida. Então, como recentemente terminei uma espécie de "relacionamento", vamos dizer assim, tenho me encontrado a mil por hora, sempre dando um jeito de preencher qualquer tempo livre que venha a me fazer tomar decisões imbecis ou ter lapsos de arrependimento por ter tomado a decisão certa no que diz respeito à minha vida amorosa.
 Pois bem. Eu estou saindo com alguém. Esta pessoa é maravilhosa. Tem um gosto fantástico para música, adora ler, é excêntrica de uma maneira sutil e tem um bom humor que deixa qualquer um nas nuvens. Eu estou saindo comigo.
 Para alguns amigos - Hesmeraldino! - isto seria um prato cheio para me denominar uma "descolada" - digamos que nós temos nossa própria piadinha interna sobre pessoas que vão ao cinema sozinhas (não, eu não fui...ainda).
 Acontece que estou curtindo bastante alguns momentos de solidão. Saio por aí conhecendo lugares em que nunca estive e entrando em livrarias - onde gasto um tempo fora do comum para escolher um livro e me convencer de que não é uma boa ideia gastar quase todo o salário com cinco deles na mesma ocasião.
 Além disso, têm me parecido muito mais agradável fica lendo em casa - ou em qualquer outro lugar com uma dose tolerável de silêncio - do que ir para alguma balada ou encher a cara. E isso é uma fase. Sei disso porque na próxima sexta eu provavelmente estarei tomando uma cerveja com os amigos da faculdade e contando histórias sobre como minhas férias foram IN-CRÍ-VEIS!
 E não é que eu esteja tentando parecer intelectual - tá, eu estou. E quem não está?! - mas eu gosto mesmo de ter estes momentos de expansão do pensamento - sem ter que recorrer à drogas alucinógenas, que fique claro. É que eu estou sempre tentando me desligar daquilo que deveria me fazer mal, e de alguma forma, é melhor recorrer a uma boa dose de conhecimento do que a uma de tequila - da última vez, mandei torpedos constrangedores. Não foi legal!
 Este conhecimento, por mais nulo que possa parecer - o que não acredito, já que considero todo conhecimento válido - é o que me empurra pra frente em fases em que eu deveria estar me torturando com música tristes e relembrando momentos agradáveis que não voltarão mais.
 Uma colega chegou a tentar me convencer de que eu deveria parar com toda a tara e compulsão por livrarias, pois o único motivo de eu estar gastando tanto ultimamente com livros - que nem são de autoajuda - era o fato de que, por dentro, eu estava sofrendo. Sofrendo muito
 Eu sei, eu deveria escolher melhor minhas amizades. Detesto os tipos "psicólogos de boteco" que adoram encher os outros de conselhos que eles mesmos são incapazes de seguir. E se tentam te convencer de que conseguem entrar na sua mente e descobrir tudo o que você está sentindo - sentimentos ruins, é o que dita a regra - vou ter a plena certeza de que esta pessoa é uma cretina! Ora! Caso eu esteja "escondendo sentimentos", eu provavelmente teria uma razão pra não sair por aí molhando o ombro dos outros com lágrimas e lamúrias, e ela se chama bom senso.
 Só que a teoria dela - a tal colega - é uma fraude. Eu não estou magoada, e tampouco tentada a sair por aí me debulhando em lágrimas pra todo mundo ver. Eu só estou "superando uma fase", talvez me preparando para algumas noites de sábado em casa, gastando um pouco mais do que devia, tendo epifanias, desejos e aspirações que há algum tempo não ousava ter por não me achar mais merecedora.
 E com tudo isso eu só posso concluir que não há chance alguma de eu tratar da minha "tara" por livrarias*, blogs ou o site da Superinteressante - e sim, eu continuarei parecendo uma intelectual - porque se há um remédio pra superação, esse remédio é a vontade de se superar, certo? O meu jeito é partir da curiosidade pelo conhecimento e quem sabe surpreender a mim mesma. Vai que, sei lá, eu arranje algum emprego mais legal ou consiga finalmente terminar de escrever um livro?
 A vida - esta cadela, ora miserável, ora espetacular - me botou novamente na seção de autoconhecimento - é capaz até de estar criando pequenos narcisistas com esta atitude. E o único motivo de eu não reclamar é porque eu já estive aqui antes, e olhando em volta... Não é um lugar tão ruim assim.
 Na próxima saída, terei todo um arsenal de informações e experiências que só me servirão para perceber que, na verdade, nunca estive tão bem.



NOTA: *O único motivo de não estar obcecada também com a biblioteca é o fato da minha não estar mais realizando o empréstimo de livros. Por algum motivo idiota, alguém achou que seria uma boa ideia roubar o único computador ultrapassado de lá, e ferrar todo um sistema de empréstimos e devoluções. Agora é esperar setembro pra ver se a prefeitura fez a "gentileza" de comprar um novo. O que significa, sem mais "Guia do Mochileiro das Galáxias" pra mim - depois que você acostuma a pegar emprestado, comprar a obra de Douglas Adam  (por mais genial e divertida que seja) parece um gasto sem sentido.


domingo, 4 de agosto de 2013

O remédio é puramente filosófico


 Eu gosto de filosofia. Certo, talvez eu seja apaixonada por filosofia - isso vem da pessoa que costumava ser uma aluna mediana desprovida de senso de curiosidade. Começou no ano passado, onde tive o prazer de conhecer um dos melhores professores que já tive - senão o melhor. Infelizmente eu saí da faculdade antes que pudesse saber o resultado de minha avaliação em sua matéria.
 Mas ele acabou sendo capaz de plantar uma pequena raiz de curiosidade que tem crescido cada vez mais dentro de mim. Ressalto a genialidade deste cara dizendo que se todos os meus professores fossem como ele, me puniria a cada lapso de sono que me atingisse devido ao cansaço - e não ao tédio, vale lembrar.
 Hoje lembrei dele. Estava eu tendo pena de mim mesma e me perguntando porque a maldita Lei de Murphy tem um prazer especial em me atingir. Enfim, aquela ladainha toda de gente que não tem o que fazer no domingo a tarde e inventa teorias para se vitimizar, esperando que a volta por cima seja muito mais rápida do que de costume. Tendo atingido em algum momento um estado quase apelativo de bom senso, decidi tentar me distrair com algo de útil. Peguei meu "Guia Politicamente Incorreto da Filosofia" - minha mais nova aquisição que custou todos os meus últimos tostões de sobrevivência no mês - e comecei a ler.
 Foi difícil se concentrar no começo, pois como momentos de bom senso em situações estressantes como a que eu me encontrava costumam ser passageiros, as palavras passavam quase que batidas por ás vezes eu me pegar distraída com minhas perguntas estúpidas a là "Por que eu?".
 Mas a força de vontade foi grande, e de repente eu estava devorando as páginas daquele livro - não literalmente, é claro, pois isso seria deveras perturbador, pra não dizer estranho. A resposta de meus problemas - que, vejo agora, nem eram tão problemáticos assim - estavam bem ali, escondidas por detrás do maldito politicamente correto.
 Em determinado momento, o autor cita, com base nos estudos de Nietzsche e Platão, que temos tendência a descrever mal o mundo porque o fazemos desde um ponto de vista "ideal" e não real.
 Quer dizer que o tempo todo em que eu perdia meu tempo criando fantasias sobre como o mundo e, principalmente - narcisista como sou - minha vida deveria ser, sempre havia um ser mais esperto lidando comigo de forma real e não ideal. Estes seres - vez ou outra denominados de nomes impróprios, dependendo da ocasião - estavam em casa coçando enquanto eu me martirizava me perguntando porque eu não merecia uma realidade idealizada por mim.
 Ao que parece, a razão acalma sentimentos incômodos. Pois acontece que enquanto eu me maravilhava diante de verdades perturbadoras e excitantes, eu passei a não sentir mais nada com relação às minhas neuras anteriores. Tudo aquilo era perfeitamente justificável e, portanto, eu poderia ser madura o bastante para aceitar o desagradável e seguir em frente.
 Talvez ao final de minha leitura eu me pegue muito menos romântica, iludida ou sentimental, e isso faça de mim um indivíduo autônomo, o que aparentemente é doloroso: esta liberdade de pensamento que vai contra o conceito democrático tende a custar bem caro - a sociedade atual diz basicamente que, se você não segue o que os outros seguem, você é um idiota.
 A melhor descoberta da semana foi saber que, ao entender o ponto de vista filosófico dos meus dramalhões, superar coisas que já estavam predestinadas ao fracasso se tornariam muito mais fáceis - e interessantes. Da próxima vez que olhar pra trás e rir ao lembrar dos tais dramas, talvez chegue a agradecer os digníssimos filósofos que, sem nem cogitar a ideia, me ajudaram a superar meus mais idiotas devaneios.


NOTA: O "Guia Politicamente Incorreto da Filosofia - Ensaio de Ironia" é do autor Luiz Felipe Pondé.



Crônica de bar


 "Então vamos lá. Mais uma tequila!", pensou a garota enquanto observava o homem à sua frente balbuciando palavras que ela sequer entendia.
 "Garota" era, na verdade, um termo que ela passou a detestar. Ele a enxergava dessa maneira, e isso a irritava. Era uma mulher, estava bem convencida disso. Claro que isso não explicava o porquê de estar tentando se embebedar para aguentar mais meia hora de conversa fiada. Ele só falava sobre ele. Toda aquela "experiência" já foi interessante algum dia, mas agora era um saco. Como na primeira vez em que aceitou almoçar com o dito cujo depois dele tanto insistir em lhe tirar de seu estado animador de paz.
 Desejou saber em que momento exatamente o tirou da seção de "caras chatos" e o pôs em "caras até que interessantes". Num lapso de memória, lembrou que ele costumava deixá-la falar. Era quase como se fosse mestre em fazer mulheres acreditarem que são interessantes e diferentes. "Que golpe baixo", pensou enquanto descia a terceira tequila.
 Ela sabia aonde daria aquele papo todo: no motel mais próximo. Então, devia parecer selvagem e desapegada, como na primeira vez. Estava certa de que evitaria todo e qualquer momento em que seus olhos se cruzassem quase como que, romanticamente, vamos dizer assim. Da última vez aquilo deu em merda.
 E qual é a razão, afinal, para mulheres se deixarem levar tão facilmente por momentos de pura excitação? Não é óbvio que eles são passageiros demais para sequer serem focos de sentimentalismo?
 Não precisava disso. Mais uma desilusão amorosa não estava em seus planos e, honestamente, detestava o fato de que poderia já estar gerando uma coleção delas. Afinal, ele não valia tudo isso.
 E enquanto ele falava e falava, lembrava do episódio de um desenho animado que vira há alguns anos. Um garotinho pedia à seus padrinhos mágicos que lhe tirassem todas as emoções. E quando o fizeram, a garota que ele tanto gostava, mas só o maltratava, estava realmente se esforçando para fazê-lo se sentir um idiota - como de costume. Aquele olhar vago e indiferente do garotinho diante da aprendiz de biscate não saiu de sua cabeça, e ela pegou-se invejando um desenho animado.
 "Ah meu Deus, ele não para de falar", pensou com pesar, sentindo-se um homem diante de uma mulher tagarela e cheia de si. Ao menos ela, no papel de mulher, estava tendo bom senso para fingir-se de interessada. Ou talvez fosse só estupidez mesmo. Quem disse que ela devia sequer ligar em agradá-lo? Ela é quem devia estar no comando!
 A tequila começava a fazer efeito, e ela sentiu-se girar. Seus olhos se apertaram para enxergá-lo mais claramente, e quando deu por si, revirava-os diante de alguma piada sem graça que ele havia contado. É, não estava mais com saco para aturá-lo.
 Seu subconsciente torcia para que ele não acabasse desencadeando uma onda de machismo dissimulado para que não despertasse nela a feminista radical que costumava ser quando estava revoltada com algum de seus peguetes. E acredite, ele era um peguete babaca em potencial naquele momento.
 Quando finalmente parou de falar e resolveu pedir a conta, soltou mais uma piadinha de direitos iguais que envolvia uma de suas "fascinantes" teorias sobre mulheres pagarem a conta do bar. Foi com gosto que ela levantou-se, torcendo para não cambalear em cima dos saltos, armou-se com seu sorriso mais cínico e disse:
- Continue com essa filosofia e você não pega mais ninguém.
 Naquela noite, não houve idas à lugar nenhum que não fosse sua casa, e mesmo bêbada, ela o cumprimentou com um aperto de mão e saiu cambaleando, cheia de dignidade, em direção à porta. Rindo por dentro enquanto sentia germinar a certeza de que naquele corpinho, o babaca não tocava mais.

sábado, 3 de agosto de 2013

"Viver e ser livre..."


 Eu peguei aquele ônibus em direção ao Itaim Bibi, mas eu sabia que no fundo eu estava indo rumo à lugar nenhum. Eu quis ver a cidade por detrás dos vidros, me maravilhar com o céu e esquecer de tudo. Me encontrei petrificada com a paisagem, com as pessoas, a cultura e a arte urbana escondidas embaixo de viadutos.
 "Isso é vida", lembro de ter pensado. Eu havia passado tempo demais sem me surpreender com estas pequenas coisas. Saí pra me vestir com uma nova personalidade - roupas novas, yupii! - e voltei com livros pagos com todo o dinheiro que eu tinha levado com o intuito de me "reinventar". Foi quando eu percebi que não precisava disso, só precisava relembrar a minha essência. Quem eu era havia ficado em um ponto distante de meu passado. Quase fui esmagada por minhas próprias escolhas estúpidas.
 E nestes breves momentos de reflexão, oportunidades surgiram como que por um milagre, e foi como se um peso muito grande saísse de dentro do meu coração. Eu não estava mais totalmente perdida, e ninguém havia me encontrado ainda. Eu havia me encontrado neste estado de esperança que não esbarrava comigo há tempos.
 Quando me dei conta de que não fazia ideia de onde estava, mas mesmo assim adorava a vista, sorri por dentro. Eu podia continuar explorando o mundo lentamente, sem pegar aviões ou atalhos. Porque no fundo, a única razão que tenho pra fazer isso é a imensa necessidade de saber que ainda há muito mais para se viver, mais coisas para ver, mais universos para explorar e pessoas para me maravilhar.
 De repente, me pareceu muito idiota ficar presa em meu quarto, torturando-me com pensamentos insignificantes quando, na verdade, eu estou constantemente diante de um mundo de oportunidades que não se cansam de bater em minha porta, convidando-se para entrar.
 Permiti-las é, agora, minha filosofia.