sexta-feira, 8 de março de 2019

O oponente mais difícil


Eu passei a treinar quase todos os dias. Descobri há algum tempo que essa é a minha maneira de permanecer sã. E ás vezes - quase sempre - os dias se tornam lentos demais, o que no meu caso parece abrir uma brecha para a autosabotagem.

Sempre gostei daquelas sequências cinematográficas em que o personagem principal toma uma decisão e passa os dias seguintes batalhando para alcançar o tão almejado objetivo. As minhas preferidas incluem quase todas as sequências do filme Rocky - exceto Rocky 4, triste demais para meu gosto - e Creed I e II.

Admito que ver Michael B. Jordan suando é um baita de um atrativo que fazem meus olhos brilharem, mas o que mais me chama atenção nestas cenas - além da trilha sonora e dos músculos suados - é a capacidade que o personagem tem de encontrar força aonde parece não haver mais nada. 

Repare que todas essas sequências antecedem momentos de derrota e falta de esperança destruidores. Travamos uma batalha contra nosso mais duro oponente: nós mesmos. A batalha é contra os músculos doloridos, contra as vozes de desistência em nossa cabeça, contra o cansaço físico e psicológico que tenta nos derrubar.

A pessoa que você encara diante do espelho todos os dias é o seu adversário mais difícil. Da mesma maneira que ela irá te incentivar haverá momentos em que ela te fará duvidar de si mesmo, pegar o caminho mais fácil e desistir.

Treinar e escrever são a minha maneira de calar essas vozes. Passar pela vida e tentar aprender algo com meus fracassos enquanto me forço a não desistir, a descobrir minha própria força em meio a dor, especialmente em dias cinzas como esse, é o que me mantém viva e alerta. É o que me mantém aberta ao progresso que só vêm depois de uma sequência de falhas dolorosas.

As batalhas físicas e emocionais de Rocky e Adonis sempre acabam no ringue. As minhas se iniciam na minha mente, e de alguma forma encontram um caminho que passa por aqui. 

E como a minha vida não é nenhum filme com duração de 2h, eu continuo criando minhas próprias sequências de superação - que no momento incluem exageradas repetições de "Formation" (Beyonce) e Drake. 

Cada um faz o que pode, né?


"Você vê esse cara olhando para você? Esse é o seu adversário mais difícil. Creio que esta seja uma verdade no ringue, e também na vida..."

- Rocky em "Creed".


quinta-feira, 7 de março de 2019

"Insecure" é a série que você precisa ver já!


Descobri "Insecure" dois anos atrás enquanto navegava no catálogo da HBO, gratuito por 1 mês na época. Grande privilégio ou grande erro, dependendo do ponto de vista - sempre há o risco de perder sua vida social por algum tempo. A HBO é incrivelmente talentosa quando se trata de séries de tv. Basta ver as produções de "Game of thrones" ou "Big little lies" e você vai entender perfeitamente do que estou falando.

Eu estava numa época de insegurança - jura? Desempregada, presa dentro de casa sem grandes motivações, eu me rendi ao maravilhoso mundo das super produções e passei a acompanhar a primeira temporada da vida de Issa Dee (interpretada pela digníssima Issa Rae) e Molly (a também digníssima Yvonne Orji), duas mulheres negras quase na casa dos 30 lidando com dilemas e, adivinhe, inseguranças da vida.

Não foram poucos os fatores que me fizeram me apaixonar pela série. A história, o elenco, a trilha sonora, a fotografia. Pretty much everything, eu diria.

A série consegue tratar temas como racismo e sexualidade sem parecer politizada, ainda adicionando um humor leve difícil de se encontrar por aí.

Issa trabalha em uma ONG e vive dilemas em seu relacionamento com Lawrence, enquanto isso um ex reaparece pra tornar tudo mais interessante. Molly é uma advogada bem-sucedida que, em sua busca pelo homem certo, sempre acaba em relacionamentos ciladas.

Tudo isso é abordado de forma muito real, nos dando um tempo de séries clichês como "Sexy and the city" e nos transportando para um universo não muito diferente do nosso. Eu particularmente amo a maneira como Issa rima diante do espelho como se conversasse consigo mesma numa tentativa de se entender. Parece muito com meus monólogos mentais diários - claro que me falta o talento para rimar. E Molly? Só a maneira como ela classifica seus affairs de forma tão crítica me faz lembrar de meus próprios padrões inalcançáveis que vez ou outra aparecem pra me deixar em crise.

É muito legal ver tantos temas abordados em uma série que, diferentemente de muitas por aí, centraliza tudo do ponto de vista dos personagens negros e da cultura negra em geral. Dá pra notar a riqueza dos detalhes, do diálogo, do humor que não é escrachado mas que nos pega de surpresa - e sutilmente - no meio dos diálogos.

Gosto da maneira como a narrativa nos leva aos pontos altos e baixos das inseguranças profissionais e pessoais, da capacidade de encontrar forças mesmo se entregando algumas vezes à vulnerabilidade, a liberdade de dizer adeus para situações insustentáveis e a coragem de recomeçar do zero.

As tentativas e erros que moldam o caminho de Issa e Molly podem ser um balde de água fria para os romantizadores de relacionamentos e personagens perfeitos, mas nos aproximam deles de maneira profunda e pessoal, mesmo quando abordam as mais cotidianas situações e temas universais como traição e sexualidade.

A série está em sua 3ª temporada e já tem confirmação para uma 4ª - pra alegria geral! Então, se você curte excelente atuação, qualidade de narrativa, fotografia, figurino excepcional e trilha sonora genial, essa série também é pra você.

Pode confiar.



segunda-feira, 4 de março de 2019

Quando eu fui Tom


Eu não tenho dúvidas de que "500 dias com ela" está no topo da minha lista de filmes favoritos. E embora a história de Tom e Summer não seja necessariamente uma história de amor previsível como todas as que estamos habituados a ver, o filme traz um nível de profundidade que nos faz querer dissecar cada detalhe da nossa própria maneira de se relacionar.

Admito que levei um tempo pra entender sua real interpretação - eu diria alguns anos. E quando finalmente entendi, foi como se meus olhos fossem abertos para coisinhas em mim mesma que eu insistia em continuar ignorando.

Minha raiva pela protagonista Summer era óbvia demais: como alguém podia desprezar um ser tão apaixonado e dedicado como Tom - especialmente quando ele é interpretado por Joseph Gordon-Levitt? 

Mas olhando para a minha própria vida, acredito que entendo de onde vem a ruína que inicia o fim de todo relacionamento. Talvez o primeiro erro seja simplesmente esperar que alguém te complete quando você ainda está buscando entender a si mesmo. O problema desta perspectiva é que em algum ponto a gente compreende que o outro tem que estar ali mais pra complementar do que pra preencher. 

Tom, por exemplo, tinha ideais românticos dignos de um perfeito cavalheiro formado por comédias românticas. Já Summer era independente demais pra se prender a este limitado mundo de faz-de-conta em que o papel dela era o de tornar o protagonista feliz. De seu jeito ela buscava a sua própria felicidade.

O filme é de 2009. Talvez não estivéssemos acostumados o suficiente com a ideia de um romance em que o protagonista não consegue o que quer. Talvez isso fosse ir muito aquém do que esperávamos baseados em nosso histórico de clássicos românticos formado por "Diário de uma paixão" e "Uma linda mulher". 

E foi isso que me fez detestar Summer. Eu não entendia o seu ponto de vista. A sua espontaneidade e honestidade me parecia mais um charme pretensioso do que, sei lá, seu real estado de espírito. O seu ideal de liberdade passava longe do que eu acreditava. Era quase como eu estivesse convencida que o bom da vida era encontrar alguém que te faça feliz e isso já basta. Summer era uma louca.

E eu? Eu era um Tom perambulando pela vida esperando que o afeto que dei fosse me dado de volta, como que por direito. Como uma dívida que devia ser paga devido à minha dedicação e comprometimento.

Se tem uma coisa que aprendi na marra com o passar dos anos é que isso é uma ilusão. Ninguém nos deve nada porque nos deu amor e afeto. Não dá pra pular etapas só porque temos dificuldade em encontrar satisfação primeiramente em nossa própria companhia.

Enquanto achava que Summer era a egoísta da história, percebi que a egoísta fui eu, egoísta foi o Tom, por esperar demais de alguém que estava em sua própria jornada buscando respostas pra si mesmo antes de compartilhar uma vida com outra pessoa. 

A verdade é que ninguém é majoritariamente responsável pela felicidade do outro. A responsabilidade da nossa felicidade começa na gente e o amor se estende para os outros na medida em que deixamos ele crescer dentro de nós ao ponto de ser compartilhado. Não tem a ver apenas com o que eu acho ou o que eu sinto. 

É uma decisão: buscar primeiro em mim aquilo que me sinto impelida a exigir do outro. Amor-próprio. E isso Summer nos ensinou muito bem.