quinta-feira, 30 de abril de 2015

Correr



 Tem gente que gosta de comparar a vida com um montão de coisas. Pra fazer uso do meu direito inerente de comparação, eu tenho que dizer que gosto de comparar a vida com a corrida.
 Mas não tem a ver com ganhar nem nada. Neste caso, não falo da corrida como um esporte competitivo. Me refiro muito mais à sensações e momentos que, na minha opinião, tem tudo a ver com essa modalidade.
 Quem me conhece sabe que, recentemente, eu me tornei uma adepta chata da corrida - daquelas que se orgulham dos quilômetros percorridos e dos quilos perdidos. Mas os primeiros dois meses são terríveis, especialmente se o único motivo que nos leva a correr é o fato de estarmos acima do peso. Mas o tempo foi passando, e depois de ter a oportunidade de usufruir de momentos de reflexões intensas nessas corridas de praia que todo artista diz que adooora, acabei criando gosto pela coisa.
 Gosto de comparar a vida com uma corrida porque, pra começar, o início de algo que tende a se tornar grande - ou uma paixão - é sempre meio difícil, exige uma atitude que nos faz pensar sobre o que queremos, traçar metas e finalmente perceber que não vai dar pra chegar lá sem tirar a bunda do sofá.
 Daí vem a fase de adaptação, que, devo dizer, é simplesmente terrível. Tende a ser bem tediosa. É aonde começam a surgir palavras como comprometimento e disciplina. Você vai trocando um hábito nada saudável por um esforço que te obriga a abrir mão das tardes assistindo séries e dos lanches no comecinho da noite - sempre regados de deliciosos pães assados, queijo, bolos e doces.
 Todo e qualquer esforço nessa fase é válido, mas sempre tem um aspecto de grande sacrifício. Muitas vezes, dá uma vontade danada de desistir. E eu não sei vocês, mas sempre acabo buscando desculpas lógicas pra desistir de um estilo de vida alternativo.
 Superado o trauma, a gente começa a perceber os resultados e a considerar válida a possibilidade de que existe uma pequena chance de dar certo e, sei lá, sermos bons naquilo - ou muito bons, vai saber. Então, dá vontade de ir além, pesquisar mais, treinar mais, suar a camisa pra valer.
 Nos empolgamos tanto que queremos dar passos maiores do que nossas pernas. A gente não quer correr, quer "voar". Claro que não há nada de errado em pensar grande e ir além das possibilidades, mas acabamos sendo cegados por um certo deslumbre e, o fato de estarmos tão sedentos pela chance de ultrapassar nossos limites mais prejudica do que beneficia.
 Daí vem as lesões.
 Semana passada senti a tal lesão. Por algum motivo, eu achei que já era boa o bastante pra correr em uma velocidade maior do que meu corpo estava acostumado. Uma atitude até louvável - quer dizer, olha eu saindo da minha zona de conforto! Mas repito: passos maiores do que as pernas normalmente nos fazem tropeçar.
 É quando a gente precisa encontrar o equilíbrio. Ou melhor: é quando a vida te obriga a encontrar um equilíbrio. Significa que tá na hora de tratar a ferida - ou lesão, sei lá, estou sendo metafórica aqui - deixar pra trás certos hábitos errôneos e se concentrar no presente, e no futuro também, por que não?
 Volta a disciplina tentando nos fazer aprender que temos que seguir nosso próprio ritmo e adotar maneiras mais benéficas de lidar com os problemas, ao invés de continuar insistindo na mesma fórmula fracassada que só nos atrasa.
 Depois de passar por todas essas fases, a gente acaba percebendo a maravilha da corrida: Liberdade pra lidar com o próprio corpo e superar os próprios limites. E finalmente dar-se conta de que enquanto parece que estamos correndo pra lugar nenhum, nós estamos sim tentando chegar à algum lugar, seja ele um estado de espírito ou um paraíso particular de fuga do estresse do dia a dia. E este tentar - o meio da jornada - é o que mais vale a pena.
 Por isso, encaremos a vida, não como uma competição acirrada para chegar sempre em primeiro lugar, mas como uma corrida que começa devagar, tem seus picos de empolgação e também uns momentos extremamente cansativos. Mas ela nunca perde sua natureza intrínseca: uma prazerosa liberdade de poder superar a si mesmo.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Deixa ESSE passado entrar



Tinha um cara naquele filme bacana do Woody Allen com um papo de que pessoas nostálgicas têm tendência a negar a realidade. Um babaca, é claro. Acho que o personagem principal agiu da mesma maneira que eu provavelmente agiria - afinal, ele era o alvo da crítica. Um girar de olhos disfarçado e um sorriso de educação que escondia um singelo: "Por gentileza, cale a boca".
Admito que não sou a pessoa mais adequada para julgar esse tipo de constatação, afinal eu ainda me sinto hipnotizada por certos aspectos artísticos do passado cujo intuito eram justamente o de serem eternizados. Mas diga-se de passagem, o personagem do tal cara com a observação tendenciosa não passava de um pseudointelectual.
Acredito firmemente que a questão não gira em torno de estarmos ou não negando a realidade. Até porque isto é deveras inútil. Todos os dias somos obrigados a encará-la. Não me lembro de um dia sequer em que decidi fingir ser a rainha da Inglaterra só pra sair da rotina.
Isto é uma questão de prazer cultural.
Não há argumento que me convença de que estamos vivendo a melhor das eras no campo da música, da arte e da literatura. Na verdade, essa é a era do "nada se inventa, tudo se copia".
E de fato estamos até mesmo um pouco entediados com toda essa monotonia frenética do dia a dia das grandes metrópoles. São simplesmente os mesmos filmes com temas de super-heróis, as mesmas exposições com "artes" que até a minha sobrinha de 2 anos conseguiria fazer, bares descolados com muita gente... Muita gente a fim de conversar com mais gente, só que pelo Whatsapp.
Vez ou outra encontramos algo divertido, que tira risadas genuínas, tornam-se momentos memoráveis, despertam a nossa curiosidade e aguçam nosso desejo de buscar o que é novo.
Eu, particularmente, sempre acabo me vendo nesse tipo de ocasião quando estou de alguma forma ligada com algo do passado.
Claro que, no caso, deixo de lado as lembranças que envolvem ex-namorados - até porque a ideia aqui não é a de ficar na fossa.
Estou falando do genial Frank Sinatra, do talentoso Ray Charles e dos harmoniosos The Temptations. Falo de letras marcantes. Falo de Aretha Franklin encontrando seu grande amor em "Natural Woman" e de Billie Holiday comprometendo-se a amar em "Come Rain or Come Shine".
E como não sonhar em estar apaixonado se parecia simplesmente tão incrível naquelas canções dos Beatles?
E eu poderia ficar a noite inteira descrevendo as músicas, os filmes (só eu adoro aquele drama exagerado de "The Breakfast Club?", os livros (ainda devoro as palavras de Jane Austen sem me cansar) e ainda sim eles continuariam fazendo total sentido, mesmo sendo os responsáveis por esta minha eterna ilusão - ou esperança - de que sempre haverá algo além do superficial, que tem a capacidade de nos tocar, marcar nossas vidas e moldar nossos pensamentos.
 Acho que é por isso que gosto tanto do filme "Meia-noite em Paris": um cara vivendo seu sonho de viver todas as noites ao lado de seus escritores, músicos e artistas preferidos. Tendo a oportunidade de maravilhar-se num mundo que não deixa de encantá-lo.
 Quem não gostaria?

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Em defesa dos introvertidos


Quando era adolescente, não achava essa coisa de ser tímido tão fascinante. Na verdade, nunca foi fascinante pra mim. A palavra "introvertido" sempre me remeteu à algo negativo. Pra mim era um grande mistério tentar entender qual era o real motivo de alguém achar nisso algo positivo. Com certeza foi um teste de paciência e, eu diria até de amabilidade, mas acho que isso é ir longe demais.
 De fato, meu problema com a timidez diminuiu com o passar do tempo, mas a tal da introversão continuou. E como poderia ir embora? Timidez é medo da rejeição, introversão é personalidade.
 Se soubesse disso naquela época, talvez entrasse em estado de desespero. E como não? Quando se tem 15 anos, ser extrovertido é a melhor coisa que pode acontecer. Ninguém fica achando que você tem "sérios problemas em se relacionar" ou fica sugerindo que você saia mais, namore mais e pare de ir à biblioteca quando o objetivo é cabular aula - uma estranha característica minha nos tempos de escola.
 Por outro lado, ser introvertido numa fase em que tudo o que você quer e sente que precisa fazer é se definir, bem, dificulta as coisas.
 Demorou um tempão pra que eu parasse de ficar "tentando me encontrar". A gente tem essa mania de tentar ser um pouco de tudo só pra se encaixar e acaba se frustrando quando percebe que nenhuma daquelas personalidades nos pertencem.
 Só que o tempo passa e hora ou outra a vida nos coloca na posição de se aceitar ou continuar inventando personalidades. Se chegar nessa fase, eu sugiro que seja você mesmo.
 Sei que a mensagem é deveras piegas, mas é bem realista. Viver de aparência é extremamente cansativo.
 Depois de um bom tempo partindo da premissa de que inventar personalidades era bem mais interessante, o cansaço das aparências finalmente me dominou e eu me vi numa crise de identidade - quem nunca?
 Fico feliz por Susan Cain ter escrito o sensacional "O poder dos quietos". Foi a primeira vez que me senti tão absolutamente sortuda por ser introvertida. Há algo de muito charmoso e interessante em estar desgarrada dessa ideia dominante de que ser extrovertido é o que há!
 Introvertidos são interessantes. Abominamos conversas fiadas, mas adoramos nos aprofundar nos mais variados assuntos. Podemos não ser os mais falantes em uma conversa, mas essa aptidão de ouvir mais nos ajuda a compreender o outro de maneira mais abrangente, solidária. Nos ensina a observar aspectos mais profundos do que é dito, como é dito e porque é dito.
 A ideia de que somos sozinhos e de que gostamos disso é totalmente distorcida e distante da realidade. Temos anseio em conhecer pessoas, mas buscamos relacionamentos mais profundos e resistentes. Não temos muita paciência para o que é superficial, por isso gostamos de mergulhar naquilo que é intelectualmente e emocionalmente relevante. Por isso é que conto os amigos verdadeiros nos dedos e ainda sim me sobra espaço.
 Quero deixar claro que não estou pregando contra os extrovertidos. Na verdade, eu adoro pessoas extrovertidas. Elas nos desafiam, nos intrigam, nos encantam, nos complementam. Alguns sortudos podem até ter o que a Susan chamou de "o melhor dos dois mundos" - algo entre o introvertido e o extrovertido.
 Só estou tentando fazer com que entendam que há mais na introversão do que se pode imaginar. Eu costumo sorrir feito boba quando percebo que estou começando a desvendar alguém, e com o passar do tempo vejo que ainda há muito a ser descoberto.
 Por isso, numa época em que o Facebook tem definido as pessoas, eu acredito que podemos e devemos ir além e ampliar o nosso olhar para aqueles que não conseguimos entender, mas que ainda têm a muito a nos mostrar.